sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Como ser fraca é dificil...



OI Gente querida que me acompanha nesta lembrança doída, mas não sofrida.

Bom... eu parei quando acordei, ainda sedada, depois do parto. Minha irmã foi quem me confirmou a morte do meu neném, mas naquele instante a dor foi amortecida pelos remédios.

Era domingo, Dia dos Pais sem direito a comemorações. A enfermeira entra no quarto para tirar a sonda, o sonho. Minha médica chega e fala em fatalidade, põe a culpa em Deus. Diz que por sorte eu também não morri (por sorte???). E Deus sempre sabe o que faz.

Sim... Ele sabe de tudo e, com certeza, sabe que eu sou forte o suficiente para aceitar os desígnios dEle. Eu sou espiritualizada, com alto desenvolvimento espiritual. Eu vou suportar, eu vou aceitar. Só não quero enterrar meu neném. Prefiro doar o corpinho dele para a medicina. Eu sou forte!

 


TUDO BEM...

As visitas começam. As pessoas mudam, mas as frases não: ... foi a vontade de Deus; ... Deus sabe o que faz...  Elas chegam para me consolar, mas saem consoladas porque eu sou forte, espiritualizada e desenvolvida espiritualmente. 

Eu sabia que Deus me daria uma missão, mas nunca imaginei em qualquer coisa parecida.. mas tudo bem. Eu posso não entender agora, mas eu sou forte. Vou suportar... Tudo bem.. Grandes batalhas são dadas a grandes guerreiros e eu sou uma guerreira.

Eu consigo me manter calma mesmo quando a enfermeira chega com uma seringa cheia de "seca leite". Meus seios estavam enormes. Prontos para o meu neném que nunca iria sugá-los. O líquido entra e o leite sai pelo meus olhos. Mas tudo bem eu sou forte. 

O quarto estava cheio de amigos. Todos impressionados com a minha "força" e resignação. Sentada em uma cadeira mais afastada da cama, uma grande e muito amada Liana, me olhava quieta, pensativa.  Ela além de minha amiga, é fisioterapeuta e eu fazia  com ela RPG (Reprogramação da Postura Global) e exercícios para o parto. Mais pessoas chegavam e mais eu afirmava: tudo bem... vou doar o corpinho do meu neném. Tudo bem...
 

TUDO BEM NADA!!!!

Gritou Liana surpreendendo a todos e com a autoridade de alguém que vê muito além do que pode ser visto, ela pediu para que todos se retirassem do quarto porque ela queria ficar sozinha comigo.

E, segurando minhas mãos entre as suas, olho dentro do meu olho e falou com firmeza: 

"TUDO BEM NADA! SEU FILHO MORREU! SANDRO AUGUSTO NÃO EXISTE MAIS. ENTERRE SEU FILHO. A MORTE PRECISA DE RITOS. SEJA FORTE O SUFICIENTE PARA SER FRACA. ASSUMA A SUA DOR E DESTRUA AGORA O CÂNCER FUTURO. NÃO FECHE SEUS OLHOS. ABRA-OS E ENCARE A SUA DOR".

E uma contração forte acontece em meu coração e uma visão implode: uma geladeira, uma gaveta de aço e dentro o corpinho do meu filho!!!

E eu me entrego e grito num sussurro, sonoramente inaudível com os ouvidos:

meu filho... tragam meu filho de volta para meu ventre, ainda temos um mês... devolvam por favor... ainda não é setembro... não chegou o equinócio da primavera... não eu não sou forte, eu não vou aguentar, arrancaram a minha alma... a vida do meu filho descendo pelas minhas pernas escorrendo pelo ralo,  NÃOOOO...  não é verdade, não aconteceu... e o chá de bebe?? são oito meses dentro do meu coração, batendo junto, comendo junto, dormindo junto. Não... não dá para suportar... que Deus é esse que dá para tirar?  Meu seio está enorme, transbordando leite misturado com lágrimas, sangue e dor.... Não pega a roupinha bordadinho para eu vesti-lo ... tragam meu filho... eu quero dar de mamar... ele deve estar com fome... traz para mim... não sou forte, vou aguentar... não vou... conseguir doá-lo, quero que ele fique comigo... temos tudo... cada roupinha linda que tia Lana trouxe de Los Angeles... e a bolsa que ele por intuição trouxe azul... quanta coisa Tia Lana trouxe de fora... como comissária trazia sempre alguma coisa de algum lugar... e agora.... meu bebê na geladeira NÃOOOOOOOOO!!!!

Se dormi ou desmaiei eu não sei, mas já era noite quando a enfermeira entrou com mais uma dose da realidade, do secador de leite e de sonhos. E eu despertei... para injeção, para a dor,,, para a vida que existia independente da minha vontade.

Mas... a vida exigia ação. Dindo (meu irmão Lezieri) e minha irmã Yolanda ficaram responsáveis pela parte burocrática.Era preciso registrar nascimento e óbito. O pai - Carlos - parecia um morto vivo. Era Dia dos Pais e de repente o que ele era, já não mais era e nem seria. Sofreu muito também.
Mesmo assim ele teve coragem de ir ver o corpinho do nosso bebê. Eu não o vi. Mamãe, dindo, dinda e Carlos foram os únicos que viram.

E foi a partir daí que eu percebi que de forte eu não tinha nada. De espiritualizada? Muito menos. Desenvolvida espiritualmente? Não mesmo... 

Foi muito difícil sair do quarto. Mas eu precisava andar. Cruzar àquela porta era transpor um portal e entrar em uma dimensão para qual eu não estava preparada. Mas consegui e olhar para a porta sem enfeite e ver o desfilar de bebês em direção às suas mães que continuaram sendo mães doeu demais. Fui para a janela acompanhada do Carlos. Entardecia e nós sabíamos que àquela hora nosso filho estava sendo sepultado. Nos abraçamos e pela primeira vez choramos juntos um pranto tão nosso e profundo  que nos misturou em amor e dor. 

Recebi alta e sair de braços vazios quando havia entrado com meu filho no ventre e no coração tantos sonhos foi difícil. Mas eu saí. E ao invés de um bebe nos braços eu carregava uma dor enorme no coração, Sabia que não seria fácil e, de fato, não o foi. Agora era uma outra etapa a ser vivida.

Fico por aqui. Ok?

Bjs e gratidão por acompanharem minha história.








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